sexta-feira, 1 de abril de 2011

Mesmo depois da Lei da Ficha Limpa, Congresso continua resistente à sociedade

O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), coordenador da comissão que pretende encontrar mecanismos para facilitar a participação da sociedade no Congresso, reconhece que o Parlamento é extremamente conservador. Segundo ele, a própria Câmara tem condições de intermediar essa participação através do portal na internet.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) voltou à cena e junto com a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político lançou na última terça-feira, em Brasília, o projeto de lei de iniciativa popular sobre a reforma política. O MCCE é o mesmo que encabeçou a luta pela aprovação da Lei da Ficha Limpa, aprovada ano passado. Mas, apesar das conquistas, os obstáculos para a participação da sociedade no processo legislativo continuam os mesmos.

Para que uma proposta de iniciativa popular seja apresentada ao Congresso Nacional é preciso ter a assinatura de pelo menos 1% do número total de eleitores, o que equivale a mais de 1,3 milhão de pessoas. Apesar do sentimento de que tudo é possível com a mobilização, as próprias organizações reconhecem que deputados e senadores relutam para manter as barreiras que separam a sociedade do Congresso. O objetivo, afirmam, é claro: a manutenção do poder.

A aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso Nacional foi uma prova do que a população é capaz de fazer quando se mobiliza. Essa, no entanto, foi apenas a terceira proposta aprovada pelos parlamentares que tiveram como autores a sociedade. Na Câmara, um grupo de trabalho foi formado para estudar mecanismos que possam facilitar a apresentação desse tipo proposta.
Movimentos prometem pressionar o Congresso
O juiz Márlon Reis, presidente do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), avalia que, apesar de a própria Constituição “expressar claramente” o direito dos cidadãos em participarem ativamente dos processos legislativos, “não existe um meio célere e confiável” para coleta e conferência de assinaturas, o que dificulta de fato a participação popular.
Reis defende, como uma das soluções para tornar o Legislativo mais acessível à população, a criação de um site oficial do governo que possa colher e conferir as assinaturas dos projetos apresentados.
– O Estado nega o cumprimento de uma norma constitucional. Qualquer tipo de participação é barrado, mas nós acreditamos que vai melhorar à medida que mais iniciativas forem tomadas. Não dá para calar. Eles (parlamentares) têm que aprender a conviver com isso – cobra o juiz.
Reis lembra que para garantir a aprovação da Ficha Limpa, por exemplo, o movimento contou com o apoio de 30 deputados que subscreveram o projeto para evitar que os mais de 1 milhão de assinaturas pudessem ter sua validade contestada. E revela que escutou de muitos parlamentares que “seria mais fácil um boi voar do que aprovar a proposta”.
De acordo com o juiz, o regimento interno da Câmara permite que um representante da parcela da sociedade que conseguiu apresentar um projeto de lei tenha direito a voz durante as discussões da proposta – inclusive no plenário. O direito, no entanto, foi negado durante a tramitação da Ficha Limpa. Mas, na reforma política, Reis garante que será diferente e que os movimentos sociais pretendem se engajar para ter direito a voz nas discussões.
Esquecimento
Para Eliana Graça, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), “os parlamentares esquecem que o poder emana do povo, podendo ser exercido por seus representantes ou diretamente”. O que significa dizer que a população também tem o direito de legislar.
– Com exceção da Ficha Limpa, que foi aprovada num momento excepcional, onde havia todo um ambiente favorável criado pela mídia, as outras propostas de iniciativa popular levaram anos para serem aprovadas – critica ao defender o uso da internet para facilitar esse acesso.
Pensamento conservador atrapalha os planos
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), coordenador da comissão que pretende encontrar mecanismos para facilitar a participação da sociedade no Congresso, reconhece que o Parlamento é extremamente conservador. Segundo ele, a própria Câmara tem condições de intermediar essa participação através do portal na internet. E o deputado defende que a população possa participar até da fixação da pauta de votação do plenário.
– Há um pensamento conservador, utilizado por quem é contrário a maior transparência do Congresso, de que a sociedade deve ficar de fora das decisões da Casa, já que o papel dela se reduziria a eleger seu representante. Temos de trabalhar para acabar com essa lógica – propõe.
A comissão realizou sua primeira reunião na última semana. A expectativa é que o trabalho resulte na regulamentação da chamada “iniciativa popular digital”.
Cientista político da UFRJ, Charles Pessanha defende a redução do número mínimo de assinaturas para que um projeto seja apresentado. Mas acredita que, a exemplo de países europeus, o Brasil deveria realizar mais plebiscitos para questões importantes, a começar pela reforma política.
– A luta entre a representação e a participação tem mais de 200 anos – analisa. _ Os parlamentares não querem porque vão perder poder, tanto que o próprio constituinte impôs essa dificuldade na Constituição.
Possíveis mudanças
Proposta de emenda à Constituição do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) – um dos coordenadores da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular, que trabalha paralelamente à comissão instituída pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AM) – pretende diminuir o percentual de 1% do total de eleitores no país para 0,5% para que uma proposta da sociedade seja apresentada.
Hoje, os eleitores precisam estar distribuídos em cinco estados brasileiros, com a participação de 0,3% em cada estado. Com a mudança, os eleitores precisariam ser de nove estados brasileiros, mas com apenas 0,1% dos eleitores de cada um desses estados.
De acordo com o senador, o sistema vigente implica uma grande contradição:
– Para se formar um partido hoje é preciso ter 0,5% do total de votos válidos na última eleição para deputado federal, o que dá em torno de 400 mil assinaturas – esclarece. – Ou seja, é mais fácil criar um partido do que apresentar uma proposta de iniciativa popular.
Pelo projeto, também seria permitida a apresentação de propostas de emenda à Constituição – atualmente apenas projetos de lei podem ser de iniciativa popular – e teriam tramitação em caráter de urgência.
Fonte: Jornal do Brasil


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